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Espera. Era aquela sensação mesmo? Será que ainda havia
alguma primavera ali dentro que lhe pudesse dar as borboletas no estômago? Há
tanto tempo não se sentia assim, desacostumara-se com a sensação gostosa de um
beijo quente, um afago suave e um abraço apertado com gosto de saudade. Não se
lembrava mais a diferença entre um suspiro de sonho e o de cansaço. Eram ambos
relativos e quer saber? Era o mesmo movimento com os ombros, só que era lá
dentro dela que mudava tudo. Já não conseguia apreciar as tardes de sorvete
porque não tinha tempo, não havia com quem partilhar um sorriso melado e um céu
cheio de estrelas. Para ela essas coisas tinham tanta importância, e agora se
dava conta de que não se lembrava do dia em que tudo perdeu a cor, quando foi
que passou a ignorar a lua, tua companheira até então. Não lembrava mais quando
foi que o pôr-do-sol não lhe era mais um espetáculo divino de se ver sentado na
grama de mãos dadas com o coração do outro. Não lembrava sequer, da última vez
em que amara a si própria, a deslumbrar a imagem refletida no espelho. E se
culpava por todas as belas tardes nubladas que perdera enfiada num moletom sem
graça assistindo o futebol que tanto odiava. Culpava-se por todo o chocolate em
excesso que comera porque eles estavam em crise e por todas as palavras
ridículas de raiva e depois arrependimento que se seguiam, e das crises de
choro. Espera. Não era isso que estava a sentir naquele momento. Não era culpa,
arrependimento, tristeza, nostalgia. Era algo que já conhecia, só não lembrava.
Era uma sensação gostosa, sabe? Daquelas em que sentar para ler um livro sob
uma árvore significa paz. Ela agora, parecia poder escutar o som de seu
coração, “tum-tum, tum-tum”. Quando foi que deixou de prestar atenção nisso?
Será que foi quando achou que amar seria doar-se por inteira? Fazer o outro
feliz desde que isso custasse sua própria felicidade? Talvez fosse, porque
agora conseguia ouvir as batidas do próprio coração, conseguir imaginar as
borboletas voando livres e não presas no estômago, embora o bater de asas tenha
deixado uma leveza e certo remelexo ali dentro. Agora sorria bobamente com uma
frase precipitada, mas se entristecia com o passado lhe atormentando. Não é
tormento a palavra certa, mas sim, tentativas vãs de mudá-la e retirar aquilo
que estava sentindo naquele momento. Era tão bom se sentir viva novamente, como
se todo esse tempo estivesse inerte, adormecida para o que era, adormecida para
ela mesma. Então era isso, agora se sentia desperta novamente. Hibernara dentro
de sua casca mais uma vez, mas era primavera e estava disposta a explorar as
partes que decidiu ocultar um tempo, é que agora podia sentar horas e horas
vendo o pôr-do-sol e o nascer da lua sem que ninguém lhe apressasse por ter
final de campeonato. Podia contar as estrelas, perder as contas e recomeçar
quantas vezes quisesse, porque gostava mesmo disso. Encontrara a parte que se
perdera no relacionamento passado, não era saudável aquilo e por isso chegara
ao fim. Aprendera tanto, mas também se perdera um pouco e agora estava a se recuperar
de tudo que se passou. Nossa! Parecia que há muito tempo não se olhava no
espelho de verdade, olhando direto nos olhos parecendo enxergar a alma e
conversar com si mesma. Espera. Era da sensação das borboletas de que falava,
pois bem, era bom sentir aquilo novamente. Sonhar, o que sempre fizera, agora
não parecia tão bobo. Até os medos se tornaram outra coisa, agora se perdiam na
infinidade de palavras ditas para o espelho e todas as que ficaram em papeis
rasgados e velhos, que ela sabia que nunca leria novamente. Mas tinha a certeza
de que se lembraria das palavras, letra por letra como se fosse uma música a
ecoar dentro de si. E quer saber? Borboletas são mais bonitas livres e não
aprisionadas no corpo. Não precisava mantê-las naquele regato ácido de
sentimentos perdidos e confusão. Libertara-as, mas sabia que voltaria a sentir
o bater de asas e a sensação de leveza, porque agora, as borboletas estavam a
fazê-la voar também.
Laura Ribeiro
Gostaria que este seu texto fosse minha verdade.
ResponderExcluirAinda não consigo lembrar.
Espero, de coração, que seu escrito não seja fictício. Espero que estejas leve.
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Gostei muito do post.
Abraços,
Suelen de Miranda.
Sim, é verídico querida! Estar bem comigo mesma e escrever a respeito foi um passo muito grande a ser dado, não desperdiçaria meus chinelos traçando caminhos em vão ^^
ExcluirAbraços!