"Minha mente está cheia e eu estou transbordando" [Ira!]
"Acho que mais me imagino do que sou, ou o que sou não cabe no que consigo ser." [Ferreira Gullar]
"Quem fala em flor não diz tudo. Quem fala em dor diz demais. O poeta se torna mudo sem as palavras reais." [Ferreira Gullar]


- Não importa se é sem sentido, não importa se é sem significado. O importante é que escrevo e assim alivio. Seja bem-vindo ao meu mundo e voe por meus versos! Dê os devidos créditos e assim terá um mundo inteiro de palavras onde viver. Esse é meu mundo e se quiser fazer parte dele é só me seguir...

3 de setembro de 2012

Ácido e pimenta


Ela já estava cansada de desabafar para uma folha de papel, mas como não o fazer se todos a sua volta não eram obrigados a escutar as ladainhas que já pareciam ensaiadas? Então escrevia loucamente, como se fosse aquela a única folha de papel na qual pudesse despejar os delírios, a raiva, a incompreensão ou a compreensão exagerada, a acidez, o amor, a dor, tudo. Sempre era amor e lágrimas, ou amor e sorrisos, mas raramente era ácido e pimenta. Só que agora precisava despejar naquele papel as palavras mais vis e ácidas que poderia encontrar, não se preocupava em definir situações ou sentimentos, porque talvez na raiva coubesse tudo o que teria no dicionário.
Era simples: estava cansada e inconformada. Cansada de tanta infantilidade da parte de quem se achava o mais adulto de todos e o namorado perfeito. Não, ele não era adulto e tampouco o namorado perfeito. E inconformada por tanta mediocridade que poderia existir naquele copo de café frio que parecia os atos e palavras de quem ela dividira o colchão e o porta-escova-de-dentes por mais de um ano. Tá certo, eram apenas uns 400 dias entre indas e vindas da casa de um e outro, mas se era mais de uns dois ou três meses - data limite e prazo de validade para todos os seus outros relacionamentos -, era sinal de que importava e não era banal como agora parecia.  Então vinha a pergunta de "como aguentei todo esse tempo?" ou "como não enxerguei isso antes?", ou pior, "como ele pensa essas coisas de mim?", perguntas crueis e amargas, não? Mas era isso mesmo. Como pôde?
E a toda lembrança de atos infundados o pH da escrita diminuía e agora parecia beirar os 2 e alguma coisa, e dessa vez não se sentia culpada em deixar o tampão de lado porque queria que tudo se ferrasse, assim nesses termos chulos e baixos mesmo. Poesia simplesmente não existia para o que fora um relacionamento à beira do colapso a cada palavra dirigida a outro homem que não fizesse parte da rodinha de amigos gays, ou  amigos dele mesmo. Culpa do maldito ciúmes, era a desculpa que ele usava para justificar os atos infantis que praticava e as ceninhas dramáticas que reproduzia durante as madrugadas em que bebia além da conta, e quer saber? ela detestava quando ele bebia, não pelo álcool, mas pelo cheiro. Era tudo cheiro e visão e aquele conjunto simplesmente se desconjuntava nele quando o fazia. Era ridícula a maneira como tentava se enturmar e parecer o cara legal e maduro do círculo quando era apenas desespero. Por isso estava cansada e agora tinha a certeza absoluta de que não poderia manter sua escova-de-dentes na casa dele, nem a dele na sua. O pH baixara já pra 1 e a corrosão se dera por completo quando ele num último ato de ciúmes insinuara coisas a seu respeito para terceiros. Seria muito nesse momento pedir para que ele fosse embora sem olhar pra trás e que nunca mais a olhasse nos olhos? Até porque não parecia digno disso. 
Os comentários picantes não seriam no bom sentido, claro. Apimentado não pelo calor, mas pela vontade de água e de apagar aquilo tudo que há muito se extinguira e deixara aquele odor de pimenta velha. Sim, parecia isso: azeite velho com pimenta passada. O curtimento nesse caso já havia passado da validade e ela não estava nem um pouco a fim de ficar sequer com o frasco. Lixo. 
E então ele vinha fazendo beicinho, dramas, chantagens, batia o pé no chão. E ela indiferente, seguia como se nem o conhecesse. Homem com dor de cotovelo é pior que criança mimada e birrenta. Que fizesse pirraça então, se jogasse no chão e desse um show. Mas que soubesse de uma coisa: ela sequer aplaudiria, por já não estar mais na plateia. 

Laura Ribeiro

Um comentário:

  1. Uau.
    Isso sim foi forte como pimenta.
    Senti a fúria como se as palavras houvessem sido espancadas sobre as linhas.

    Espero que tenha mais ficção que verdade na história por trás. <3

    Como sempre, um ótimo texto, Laura.
    Abraços.

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